21 de setembro: 147 anos de fundação da Cruz Azul Internacional

Um movimento internacional de abstinência ao uso e abuso de álcool e outras drogas.

A Cruz Azul é um movimento internacional que existe desde 21 de setembro de 1877, preocupada, desde seu início, com os inúmeros malefícios que o uso e consumo de bebidas alcoólicas provocava entre as pessoas mais pobres e carentes que viviam na segunda metade do século XIX.

Inspirada no modelo inglês de sociedades de abstinência ou temperança, o teólogo e pastor suíço Louis-Lucien Rochat (1849-1917) fundou, em 1877, na cidade de Genebra, uma sociedade baseada na fé e na temperança, denominada “Temperance Society”, ou, em português, “Sociedade de Temperança/Moderação”. A finalidade desta sociedade foi apoiar as pessoas dependentes em seu esforço para tornarem-se abstinentes. Lembrando que, até então, o álcool, a partir da Revolução Industrial, tornou-se uma bebida barata e amplamente consumida pelas classes baixas, muitas vezes para “enganar” ou suprimir a fome, o frio e o sofrimento que grassavam numa época em que muitos trabalhadores e habitantes de áreas rurais vinham morar e trabalhar nas primeiras grandes áreas urbanas que estavam surgindo na Europa do século XVIII e XIX, como Paris e Londres.

Como um ato de solidariedade, os líderes da sociedade fundada por Rochat comprometiam-se a uma vida de abstinência, não por lei, mas por amor ao próximo e para mostrar que era possível viver sem o uso e consumo de bebidas alcoólicas. Para marcar sua associação, seus membros simplesmente usariam uma pequena fita azul, presa no peito por um “bottom”.

Somente em 1883, a então sociedade passou a denominar-se “Sociedade Cruz Azul da Suíça”. Este nome também foi inspirado pelo trabalho da Cruz Vermelha Internacional, fundada em 1863. Enquanto a Cruz Vermelha ajudaria os feridos de conflitos armados, a Cruz Azul existiria para ajudar os “feridos, fragilizados e marginalizados pelo álcool e outras drogas, e pela sociedade”. Na época, e não diferente dos tempos atuais, havia uma grande necessidade de apoiar, ajudar, acolher e tratar aqueles que eram usuários ou dependentes, muito marginalizados e excluídos da sociedade moralista de então. Portanto, o primeiro “gabinete de aconselhamento” da Cruz Azul – um lugar onde os dependentes e seus familiares poderiam ser acolhidos ou encontrar alguma ajuda – foi criado em 1880. Hoje poderíamos denominar ou chamar esses “gabinetes” como salas ou espaços e de grupos de apoio mútuo. Nestes encontros também havia a oportunidade e o convite para que tais dependentes – se assim o desejassem – fizessem um “voto de abstinência”, assinando um livro concebido especificamente para esta finalidade. Mas a criação destes “gabinetes” encontrou oposição. Várias vezes, pedras foram jogadas contra as janelas dos locais de reunião, como forma de intimidação e ameaça. E aqueles que ali estavam ou frequentavam tais grupos muitas vezes eram ridicularizados, insultados e até marginalizados socialmente. No entanto, cada vez que uma pessoa usuária ou dependente assinava no livro, havia alegria e esperança, tanto para a família como para os companheiros de jornada. Eram momentos de intenso louvor e orações a Deus. A Cruz Azul funcionava e era como uma “nova” família, onde juntos e a partir de encontros regulares ou semanais podiam ter e levar uma nova vida saudável, e ainda ser um testemunho “vivo” de transformação do ser humano, a partir da graça de Deus, para outras pessoas, a comunidade local, que até então estava acostumada a ver tal pessoa somente nos bares e “cabarés”, que enchiam as ruas de Paris, Londres e outras capitais europeias. Paralelamente, esses novos membros da Sociedade Fita Azul, ou Cruz Azul, eram encorajados a visitar-se entre si, buscando um fortalecimento e ânimo na caminhada de uma nova vida, em abstinência. Também, muitas vezes, acompanhados por um supervisor – membro mais antigo – iam juntos fazer visitas a famílias ou pessoas com o problema do alcoolismo, e ao mesmo tempo convidar os mesmos para participarem das reuniões da Sociedade Cruz Azul.

Consciente da potencial ligação entre pobreza e alcoolismo, Louis-Lucien Rochat conseguiu algumas parcerias com alguns proprietários de restaurantes da cidade e região de Genebra, Suíça, (membros ou simpatizantes da causa). Ou seja, alguns até forneciam gratuitamente aos membros da Cruz Azul refeições gratuitas, ou então, mais baratas. Durante o período de mobilização da Primeira Guerra Mundial, alguns membros da Cruz Azul tinham a disposição e a ideia de seguir os soldados em seus movimentos de guerra, e construir barracas desmontáveis como opção de espaço sem álcool. Eram lugares onde os soldados poderiam se reunir, escrever cartas, jogar e ter refeições baratas e, ao mesmo tempo, serem sensibilizados para os perigos do uso e abuso de bebidas alcoólicas.

Em 1902, cerca de 10.709 esposas de pessoas ex-usuárias/dependentes realizaram uma homenagem para o Pastor Louis-Lucien Rochat. Na oportunidade, ele recebeu como forma de gratidão uma medalha de ouro. “Ludwig”, ex-dependente e membro da Cruz Azul, fez a seguinte declaração, em 1880, no que diz respeito à sua dependência: “tentava sempre afogar minha tristeza na videira. Ao mesmo tempo, eu também afogava minha carteira de dinheiro, saúde e a minha honra… e no final, ainda assim, minha tristeza continuava na superfície.”

Durante toda a sua vida, no entanto, Louis-Lucien Rochat cultivou duas pequenas vinhas. Seu fruto era transformado em vinho, e então vendido por um fazendeiro vizinho. Através de seus vinhedos, Louis-Lucien Rochat queria dar a entender – para todos – que ele não pretendia impor a abstinência à força, para todas as pessoas sem distinção. Mas sim, tal iniciativa e atitude teriam que vir do coração e da consciência de cada um, a partir de sua realidade e necessidade, no lidar com seus “vícios” e dependências pessoais.

Em 1878, também foi criado um grupo Cruz Azul para as senhoras da cidade de Lausanne, Suíça. Lentamente, o movimento crescia e se espalhava por todas as regiões de língua alemã da Suíça, onde o Pastor Arnold Bovet – amigo de Louis-Lucien Rochat – desempenhou um papel importante na implementação e solidificação do trabalho da Cruz Azul.

Mesmo tendo uma origem evangélica, o trabalho da Cruz Azul, na época e também nos dias de hoje, sempre foi altamente valorizado e respeitado pelos líderes da Cruz Azul. Desde o início, eles colaboraram estreitamente com a Liga Católica Suíça de abstinência, a “Golden Cross” (não tem nada a ver com a atual que existe no Brasil e que atua com planos de saúde…). Eles nunca hesitaram em colaborar com as sociedades seculares de abstinência. Então, como resultado de frequentes viagens de Louis-Lucien Rochat, associadas às atividades de conferências teológicas, o movimento da Cruz Azul espalhou-se por toda a Suíça, França, Bélgica, Alemanha, Holanda, Dinamarca, Suécia, Finlândia e Noruega.

Mais tarde, no início do século passado, na “era das missões mundiais”, missionários e pastores suíços, franceses e alemães levaram e implantaram a proposta da Cruz Azul na África, Ásia e ilhas do Pacífico. Mais tarde, esse movimento também chegou ao Brasil, em 1982. Inicialmente, em Panambi, RS, mais tarde Santa Catarina e hoje em todo Brasil. Nos últimos anos, também na América Latina. Atualmente, o trabalho já existe em mais de 36 países do mundo.

Dado o crescente número de sociedades ou federações da Cruz Azul que surgiram em todo o mundo, houve a necessidade da criação de uma coordenação/federação mundial, com o papel de coordenar e orientar as atividades da organização e movimento de abstinência. Em 1886, a Federação Internacional da Blue Cross (IFBC) foi fundada em La Chaux-de-Fonds, Suíça. Os fundadores nomearam e criaram um Comitê Central Internacional como o corpo executivo e diretivo da IFBC. Sua presidência, inicialmente, foi assumida pelo pastor Louis-Lucien Rochat, e sua sede estava localizada em Genebra. Quatro anos mais tarde, em 1890, um Comitê Nacional de Cruz Azul passou a ser constituído em cada país membro da organização. Os princípios e objetivos em todas as nações são os mesmos, isto é, ser um movimento de abstinência, de resgate, acolhimento, inclusão e valorização do ser humano. Construir e criar um mundo onde todas as pessoas possam escolher livremente e conscientemente viver uma vida sem drogas, e com qualidade de vida saudável e abundante na graça de Deus.

Luis Carlos Ávila

Coordenador da Área de Edições e Conteúdos da Cruz Azul no Brasil

REFERÊNCIAS:

*Este texto é uma adaptação do texto, publicado originalmente em inglês: International Blue Cross. Perfil Facebook. Blue Cross Movement since 21st September 1877. Texto publicado em 22 de setembro de 2014. Disponível em: https://www.facebook.com/InternationalBlueCross/posts/283908401803599.

ÁVILA, Luis Carlos; ÁVILA, Maria Roseli Rossi Ávila. Cruz Azul: proposta inovadora e histórica na área da dependência química no Brasil e no mundo. In: SOUZA, Maria de Lourdes de; SCARDUELLI, Paulo. (Org.). Comunidades Terapêuticas: Cenário de inovação em Santa Catarina. Florianópolis: Insular, 2015.

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