A discussão em torno da legalização dos cigarros eletrônicos no Brasil tem ganhado destaque nos últimos anos, especialmente em debates que envolvem questões de arrecadação tributária. Alguns defensores da regulamentação argumentam que a legalização permitiria a tributação desses produtos, gerando receita significativa para o Estado. No entanto, essa visão simplista ignora os altos custos associados aos problemas de saúde pública decorrentes do uso de cigarros eletrônicos. Este artigo busca desmistificar a ideia de que a arrecadação tributária justifica a legalização dos cigarros eletrônicos, baseando-se em evidências científicas e em experiências internacionais.
Arrecadação de tributos: Uma visão limitada
Os defensores da legalização dos cigarros eletrônicos frequentemente apontam para a possibilidade de arrecadação de tributos como um dos principais benefícios da regulamentação. No Brasil, produtos como tabaco e álcool já geram receitas significativas. Em 2020, a arrecadação de tributos sobre o tabaco foi de aproximadamente R$ 12,9 bilhões, enquanto bebidas alcoólicas contribuíram com cerca de R$ 10 bilhões aos cofres públicos¹. Contudo, a análise dos números isoladamente pode levar a uma compreensão errônea da real contribuição desses tributos para a economia e a saúde pública.
Custos Diretos e Indiretos do Consumo de Cigarros Eletrônicos
Os custos associados ao consumo de produtos como tabaco e álcool superam amplamente a arrecadação tributária gerada. No caso do tabaco, por exemplo, o Sistema Único de Saúde (SUS) gastou cerca de R$ 23 bilhões, em 2015, apenas com o tratamento de doenças relacionadas ao tabagismo, como câncer, doenças cardiovasculares e respiratórias. Quando adicionados os custos indiretos, como perda de produtividade e mortes prematuras, esse valor atinge aproximadamente R$ 42 bilhões².
Com relação aos cigarros eletrônicos, estudos indicam que esses produtos também estão longe de serem inofensivos. Eles contêm substâncias tóxicas, como nicotina, metais pesados e compostos orgânicos voláteis, que podem causar danos significativos à saúde³. Além disso, o uso de cigarros eletrônicos tem sido associado ao aumento do risco de doenças respiratórias e cardiovasculares, além de efeitos adversos ao desenvolvimento cerebral em adolescentes⁴. Se esses produtos fossem legalizados e amplamente utilizados, os custos para o sistema de saúde seriam substancialmente elevados, superando, e muito, a possível arrecadação de tributos.
Experiências Internacionais e a Realidade Brasileira
A experiência internacional demonstra que a legalização e a regulamentação dos cigarros eletrônicos não são suficientes para mitigar os impactos negativos desses produtos. Em países como os Estados Unidos, onde os cigarros eletrônicos são regulamentados, houve um aumento significativo no uso entre jovens, gerando uma nova geração de dependentes de nicotina⁵. A normalização do uso desses dispositivos, mesmo sob regulamentação, tem mostrado ser uma estratégia falha para proteger a saúde pública.
No Brasil, a proibição total dos cigarros eletrônicos tem sido uma estratégia eficaz para manter os níveis de uso relativamente baixos, especialmente entre os jovens⁶. A introdução de uma regulamentação que permita a comercialização desses produtos poderia reverter esses ganhos e agravar os problemas de saúde pública, além de sobrecarregar ainda mais o sistema de saúde.
A Falácia da Justificação pela Arrecadação
É uma falácia argumentar que a arrecadação de tributos pode justificar a legalização de produtos que têm um impacto tão severo na saúde pública. Como evidenciado, os custos diretos e indiretos decorrentes do uso de cigarros eletrônicos superariam qualquer arrecadação potencial. Além disso, a normalização desses produtos poderia criar uma epidemia de dependência de nicotina, especialmente entre jovens, ampliando os problemas sociais e econômicos.
Portanto, a manutenção da proibição dos cigarros eletrônicos no Brasil é não apenas uma questão de saúde pública, mas também uma medida economicamente prudente. O argumento de que a arrecadação tributária compensaria os custos associados ao uso desses dispositivos é, na melhor das hipóteses, uma visão míope e perigosa para a sociedade.
Rolf Hartmann
Presidente da Cruz Azul no Brasil, Economista
Referências
¹ Secretaria da Receita Federal do Brasil. “Arrecadação de Tributos Federais por Produto.” Relatório Anual, 2020.
² Instituto Nacional de Câncer (INCA). “Economia do Controle do Tabaco: Avaliação do Impacto Econômico da Tributação do Cigarro no Brasil.” 2017.
³ Ministério da Saúde. “Vaping: Quais são os riscos para a saúde?”. 2023.
⁴ Organização Mundial da Saúde (OMS). “E-cigarettes: how risky are they?”. 2021.
⁵ Centers for Disease Control and Prevention (CDC). “Youth and Tobacco Use”. 2023.
⁶ Instituto Nacional de Câncer (INCA). “Controle de Produtos de Tabaco: O Desafio dos Cigarros Eletrônicos”. 2022.
Bibliografia
CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION (CDC). Youth and Tobacco Use, 2023. Disponível em: https://www.cdc.gov/tobacco/data_statistics/fact_sheets/youth_data/tobacco_use/index.htm. Acesso em: 23 ago. 2024.
INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER (INCA). Controle de Produtos de Tabaco: O Desafio dos Cigarros Eletrônicos, 2022. Disponível em: https://www.inca.gov.br. Acesso em: 23 ago. 2024.
INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER (INCA). Economia do Controle do Tabaco: Avaliação do Impacto Econômico da Tributação do Cigarro no Brasil, 2017. Disponível em: https://www.inca.gov.br. Acesso em: 23 ago. 2024.
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Vaping: Quais são os riscos para a saúde?, 2023. Disponível em: https://www.gov.br/saude. Acesso em: 23 ago. 2024.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). E-cigarettes: how risky are they?, 2021. Disponível em: https://www.who.int/news-room/q-a-detail/e-cigarettes-how-risky-are-they. Acesso em: 23 ago. 2024.
SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL. Arrecadação de Tributos Federais por Produto. Relatório Anual, 2020. Disponível em: https://www.gov.br/receitafederal. Acesso em: 23 ago. 2024.