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A maconha (Canabidiol e THC) e a saúde por impulso

Por Marcos Linhares, especial para a Cruz Azul

Antes de mais nada, temos que deixar claro que somos a favor da saúde e do bem-estar de todos. Não há como não se sensibilizar com a dor e os problemas de saúde de algumas famílias brasileiras que lidam com efeitos terríveis de algumas doenças raras que podem ser tratadas, com a devida assistência médica por medicamento autorizado de Canabidiol (CBD). Contudo, o uso indiscriminado de qualquer substância pode acarretar toda sorte de complicações individuais, e por que não dizer até coletivas. O texto abaixo faz um alerta baseado em evidências científicas e não em impressões pessoais simplesmente. Dito isso, vamos ao artigo:

“Oi, está com um problema de saúde qualquer? Use maconha”. Esse tipo de pergunta e a respectiva resposta casada estão ficando a cada dia mais frequentes. Querem nos empurrar, goela abaixo, que a maconha é a panaceia do momento. Assim como eram aos remédios naturais engarrafados de antigamente que chegavam trazidos por caixeiros-viajantes. Com a alcunha de “cura tudo”, eram vendidos para as mais diferentes indicações: Câncer, frieira, dor de cabeça, problemas no estômago, fígado, unha quebrada, vesícula, asma etc. Se funcionavam mesmo aí já era querer demais. “Ah, teve gente que foi curada”. Era a ciência do boca a boca. Com a maconha parece ser do mesmo jeito.

Segundo o médico, Ph.D. pelo Institute of Psychiatry (Universidade de Londres) livre-docente e professor titular aposentado de psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), Valentim Gentil, “falta a comprovação da segurança a longo prazo do CBD. Isso requer a monitorização permanente de todos os medicamentos lançados após seu registro para uso medicinal. Ainda há dificuldade em comprovar a eficácia diferencial do CBD (e do THC) em relação aos tratamentos já disponíveis, suas doses, indicações específicas e seus efeitos colaterais. É indispensável determinar a segurança para diferentes grupos etários e para as condições de saúde de quem for receber esse tratamento. Deve-se fazer isso sem pressões ou atropelos”, em entrevista recente ao Observatório Brasileiro de Informações Sobre Drogas. Ou seja, pesquisas incipientes, do ponto de vista científico, feitas com poucas pessoas, e por um período pequeno (refiro-me a milhares de pessoas e espaços de tempo superiores a 10 anos de testes contínuos). 

Valentim Gentil também explica que a “legalização de preparações herbais da Cannabis (a maconha é uma delas) para fins medicinais foi influenciada pela tradição do uso dessa planta desde a antiguidade e por alguns efeitos terapêuticos ainda dependentes de comprovação. Ela tem muitas substâncias cujos efeitos são indeterminados, tanto do ponto de vista de eficácia terapêutica, dosagem, indicação diferencial, como de toxicidade. Por isso, não pode ser considerada ‘medicinal’. São centenas de compostos potencialmente tóxicos. Nenhum produto medicinal pode ser registrado sem essas informações. O uso ‘medicinal’ tem sido o álibi para a liberação do uso recreativo, conforme fartamente documentado. Não há como justificar tal uso sem comprovação de eficácia, segurança e toxicidade. As evidências de risco de efeitos neurotóxicos são muito consistentes”.

Os defensores da maconha (pelos mais variados motivos) criaram a estratégia de chamar o canabidiol -e mesmo o THC- de maconha medicinal, trabalhando no imaginário coletivo a ideia de riscos supostamente diminutos do uso da cannabis, estimulando um possível aumento do consumo da droga no país.

Então, você poderá me dizer: Mas todo e qualquer medicamento traz na bula um monte de efeitos colaterais. Então, te respondo de volta: E quem faz as bulas? Pois é, não são cientistas, mas advogados da indústria farmacêutica antecipando qualquer processo. Explicando melhor, por exemplo, se for detectada sonolência em 0,003% ou insônia em 0,01% nos testes de um novo medicamento, ambos os efeitos contraditórios aparecerão nas bulas. No caso dos medicamentos feitos com maconha, inúmeros estudos mostram altos índices de efeitos colaterais.

Claro que não podemos negar que o canabidiol pode ser considerado alternativa em algumas circunstâncias, como em casos refratários de epilepsias causadas pela Síndrome de Dravet, que afeta crianças. Mas para isso, há soluções em curso no Brasil. Por exemplo, o senador Eduardo Girão (Pode-CE) apresentou um projeto de lei (PL 5158/2019) que obriga o Sistema Único de Saúde (SUS) a distribuir medicamentos que tenham o Canabidiol (CBD) como único princípio ativo. Ou seja, dessa forma, as famílias que, efetivamente, estiverem inseridas no rol apropriado de uso serão contempladas caso o projeto venha a ser aprovado. Está aí uma boa causa para se lutar. 

Contudo, não para de aparecer publicidade aqui e ali propondo um novo uso para o Canabidiol (além dos já aceitos) numa enxurrada de anúncios, aplicativos (já há) e propagandas nas redes sócias de toda sorte. Mesmo o CBD, em relação a novos possíveis usos precisa de mais pesquisas para ampliar o conhecimento sobre a substância, identificar sua janela terapêutica e conhecer melhor seu mecanismo de ação no tratamento de doenças neurológicas. Dessa forma, haverá mais segurança na administração para pacientes e prescritores.  Essa é, de maneira geral, a percepção de entidades como o Conselho Federal de Medicina (CFM), a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), a Sociedade Brasileira de Pediatria, o Conselho Federal de Farmácia (CFF), a Sociedade Brasileira de Neurologia Infantil, a Associação Brasileira de Neurologia e a Liga Brasileira de Epilepsia.

Mesmo assim, como julgar alguém doente que recebe um texto compartilhado pelas redes sociais, que normalmente, vem, lá pelo meio de algum estudo, com as palavras perigosamente mágicas e auspiciosas de “os primeiros resultados foram satisfatórios”, ou “pode vir a resolver o problema x, y ou z”. Pronto. Quem está doente vai querer testar. E se tiver que esperar? Bate a ansiedade e procura pelos chamados “meios alternativos”. E para isso não faltarão os que darão uma “mãozinha” para conseguir importar ou contrabandear o medicamento, ou ainda, o que é alarmante, ajudar a produzir o chamado óleo da cannabis em casa. Não importa se ao fazer caseiramente não se consiga isolar o princípio que dá o chamado “barato”, o THC, e que isso possa provocar reações adversas das mais variadas. Sem contar com o número de pessoas que já se queimaram tentando seguir esse desaconselhável processo.

Não importa também se não se saiba qual a dosagem certa a ser tomada para cada caso. Vale tudo. E com isso, famílias e famílias ficam no meio de um tiroteio midiático alimentado por verbas polpudas, por pesquisas ainda incipientes e por apreciadores da maconha para qualquer fim. Danem-se as famílias. Elas serão usadas, pois a dor de seus entes queridos é real. E quem há de ir contra garotos-propaganda como esses? Com eles à frente tudo se justifica e os que ousarem contestar os resultados conseguidos em poucos casos recebem com rapidez as alcunhas de “conservadores”, “retrógrados”, “ultrapassados”, “radicais religiosos”, “pessoas desprovidas de empatia para com a dor alheia”.

Vale a pena lembrar que: muitos doentes ao receberem pílulas de placebos apresentam melhoras... 

Entretanto, como continuamos com nossa síndrome de país que idolatra tudo o que vem de fora, nos esquecemos de usar o senso crítico para avaliar como foi e está sendo tratado o assunto além de nossas fronteiras…

O fashion é dangerous

Na terra do tio Sam, por exemplo, é fácil deparar-se com o problema nas ruas e em várias matérias publicadas em veículos sérios. Harvard Medical School, Forbes, NBC, New Yorker, Nature e The New York Times apontam os riscos desse modismo tresloucado e irresponsável.

Por exemplo, em 27 de fevereiro deste ano, foi publicado no The New York Times, um texto intitulado “O CBD está em toda parte, mas os cientistas ainda não sabem muito sobre isso”. Nele, ficam expostos todos os descaminhos que a abordagem do assunto tem recebido.

Já no primeiro parágrafo, fica tudo muito claro: “O canabidiol, ou CBD, um componente não-intoxicante da planta da maconha, é apontado como uma bala mágica que alivia a dor, a ansiedade, a insônia e a depressão. Bálsamos, sprays, tinturas e óleos contendo CBD são comercializados como afrodisíacos que aumentam o desejo; como bálsamos para eczema, espinhas e ondas de calor; e até como tratamentos para doenças graves como diabetes e esclerose múltipla[…], mas os cientistas sabem pouco sobre o que ele pode fazer: a maioria das informações sobre os efeitos do CBD em humanos é anedótica ou extrapolada de estudos em animais e poucos ensaios rigorosos foram realizados.”

Em outro trecho, lemos que o FDA emitiu vários avisos para empresas que fazem alegações não comprovadas de que seus produtos CBD irão tratar ou prevenir doenças. “Esse marketing enganoso de tratamentos não comprovados suscita preocupações significativas de saúde pública, pois pode impedir que alguns pacientes acessem terapias apropriadas e reconhecidas para tratar doenças graves e até fatais”, disse uma porta-voz da FDA. Yasmin Hurd, diretora do Instituto de Dependência do Monte Sinai, na cidade de Nova York e professora da Faculdade de Medicina de Icahn, que fez uma extensa pesquisa sobre CBD, diz que o composto tem um potencial particular para a crise dos opioides. “Vamos fazer a pesquisa. É uma loucura que essa substância esteja sendo consumida por todos, mas ainda não sabemos o mecanismo de ação “. O CBD tem um perfil de segurança relativamente bom e é “geralmente mais seguro do que o THC”, o componente intoxicante da cannabis, disse a Dra. Hurd. Mas pode causar efeitos colaterais adversos, incluindo sonolência e diarreia, erupções cutâneas, além de apetite deprimido, problemas de sono e enzimas hepáticas elevadas.  

Na matéria, em relação ao mesmo tema, que também ganhou a mesma preocupação no Canadá, nos deparamos com a seguinte descoberta: tantas pessoas perguntaram ao Dr. Michael Van Ameringen, diretor de um centro de pesquisa de ansiedade em Hamilton, Ontário, sobre o potencial terapêutico do CBD para ansiedade que ele decidiu revisar a literatura médica e concluiu que “realmente, há pouca evidência científica para apoiar seu uso como um tratamento para a ansiedade e epilepsia neste momento”. De fato, a pesquisa do CBD está em um estágio tão inicial que apenas descobrir a dose terapêutica correta a ser testada é um desafio, dizem os cientistas.

A matéria é finalizada com a Dra. Yasmin Hurd e alerta que as expectativas em torno da substância são irreais. “As pessoas estão fazendo parecer um tipo de droga do nirvana, e isso é um problema”, disse ela. “Um composto não pode curar tudo.”

Canabidiol e Opioides

O Canabidiol sendo divulgado para tudo, pelo visto, infelizmente promete seguir o mesmo caminho desastroso dos opioides como aconteceu nos EUA.  Lá, a desinformação deliberadamente propagada a respeito dos opioides provavelmente estimulou o uso indiscriminado e o avanço da dependência. Eles, no início, surgiram como a grande promessa para resolver inúmeros tipos de problemas de saúde, mas, anos depois, os resultados foram desastrosos. Para se ter uma ideia, segundo relatório do Centro Nacional para Estatísticas em Saúde (NCHS), órgão que faz parte dos Centros dos Estados Unidos para Controle e Prevenção de Doença (CDC), em 2016, overdoses de heroína e analgésicos à base de ópio mataram quase 64 mil pessoas nos EUA; 26% havia sido prescrito por médicos… Nos Estados Unidos, é bastante comum médicos e dentistas receitarem opioides para que seus pacientes possam controlar a dor, mesmo depois de procedimentos comuns, como extração de um dente do siso ou pequenas cirurgias realizadas em consultório. Hoje, esse uso já é considerado uma epidemia…

Plantar em casa?

E, é claro, que não faltam os que defendem a perigosa prática do plantio em casa. Como controlar esse plantio? É apenas a porta dos fundos ou da frente da legalização do uso recreativo, que leva a todo um ciclo de possíveis e desastrosos impactos na saúde e na segurança públicas. A velha e batida história de que o uso individual é problema de cada um e que não importam os gastos oriundos para a coletividade dessa prática egocêntrica.

Outro detalhe é que já há estudos, por exemplo, como os de uma equipe de químicos da Universidade da Califórnia, Davis, que demonstraram recentemente que um novo análogo sintético do canabidiol (CBD) pode ser tão eficaz para usos medicinais quanto seu equivalente extraído naturalmente. Esse composto sintético de CBD também promete ser mais fácil, mais barato e mais rápido de produzir. Resumindo: Para que plantar se você pode usar um CBD sintético? Claro, que os adeptos da maconha vão discordar... 

Engraçado é que, normalmente, quem defende a maconha é contra o cigarro, o tal elástico da coerência ao que convém…

Fontes:

https://www.youtube.com/watch?v=gOj7cUVlwlY

https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8017655&ts=1569960575602&disposition=inline

https://www.drugabuse.gov/publications/drugfacts/marijuana-medicine

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