PROTEÇÃO SOCIAL EM RISCO: A DIFICULDADE DE CONTROLAR O DESTINO DOS RECURSOS DO BOLSA FAMÍLIA

A Advocacia-Geral da União (AGU) declarou, em recurso ao Supremo Tribunal Federal (STF), que o governo enfrenta sérias dificuldades para implementar medidas que impeçam o uso dos recursos do Bolsa Família em apostas esportivas online. Em novembro, o ministro Luiz Fux determinou que o governo criasse mecanismos para evitar que o dinheiro do programa social, destinado às famílias de baixa renda, fosse desviado para atividades de risco como as apostas virtuais. A decisão foi confirmada por unanimidade pelo plenário do STF, mas agora a AGU solicita esclarecimentos sobre alguns pontos da determinação.

No recurso de oito páginas, a AGU argumenta que:

  • As contas bancárias do Bolsa Família não são exclusivas para o benefício, recebendo dinheiro de outras fontes;
  • O governo não tem como monitorar detalhadamente os gastos de cada família para identificar a destinação do dinheiro recebido;
  • O governo não pode fornecer às empresas de apostas a lista de beneficiários;
  • Mesmo se bloqueasse todos os cartões de débito, o governo não conseguiria impedir pagamentos via PIX ou cartões pré-pagos, que também poderiam usar dinheiro do Bolsa Família.

“Embora louvável e necessária a preocupação com a situação econômica de indivíduos e famílias vulneráveis, a adoção de ‘medidas imediatas’ enfrenta barreiras práticas de difícil superação, tornando imprescindível o esclarecimento do acórdão recorrido”, afirma a AGU no recurso.

Em outubro, antes mesmo da decisão do STF, o ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias, anunciou que o uso do Bolsa Família para apostas seria proibido. Na época, o governo ainda tentava elaborar a medida.

O pedido da AGU foi protocolado na noite desta quinta-feira (12) e deve ser analisado por Fux, que pode decidir sozinho ou submeter o tema novamente ao plenário. Não há prazo para uma decisão.

Em setembro, um estudo do Banco Central revelou que os brasileiros gastaram cerca de R$ 20 bilhões mensais em apostas online nos meses anteriores. Em agosto, 5 milhões de beneficiários do Bolsa Família enviaram PIX para apostas, totalizando R$ 3 bilhões.

O que diz o governo

Para recorrer ao STF, a AGU reuniu argumentos de diferentes órgãos do governo afetados pela decisão judicial. Inicialmente, ponderou que o Executivo é favorável às premissas da decisão, ou seja, à ideia de impedir que famílias de baixa renda destinem boa parte de seu orçamento às apostas esportivas.

“As razões recursais ora apresentadas não pretendem manifestar discordância com as premissas conceituais constantes do acórdão embargado, que estão alicerçadas em preceitos constitucionais voltados à defesa da saúde mental, especialmente de crianças e adolescentes, assim como à proteção econômica de indivíduos e famílias vulneráveis”, diz a AGU.

Contas recebem outros recursos

As principais dificuldades foram apontadas pelo Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), responsável pela operação do Bolsa Família. Segundo a pasta, as contas bancárias que recebem o Bolsa Família não são exclusivas para o benefício, permitindo que as famílias movimentem dinheiro de outras fontes, como trabalho autônomo ou informal.

O ministério cita um estudo do Banco Mundial que aponta que 83% dos homens e 41% das mulheres que recebem Bolsa Família estão “ocupados”, ou seja, têm alguma fonte de renda. “Portanto, não é operacionalmente viável distinguir entre a renda proveniente do trabalho e o benefício financeiro recebido do programa”, explica o governo.

“Tentativas anteriores de estabelecer controles sobre o uso do dinheiro pelas famílias beneficiárias, como o Programa Fome Zero, instituído em 2003, demonstraram a impossibilidade de um programa nacional realizar o microgerenciamento dos gastos domésticos”, prossegue o ministério.

Vetar uso do débito: LGPD e efeito limitado

O governo afirma que, mesmo desconsiderando esse fator e tentando bloquear o uso integral dessas contas, não teria condições técnicas para fazê-lo. O Ministério do Desenvolvimento Social informou que não poderia simplesmente fornecer às empresas de apostas os dados dos cartões de débito do Bolsa Família a serem bloqueados, medida atualmente vedada pela Lei Geral de Proteção de Dados, aprovada em 2018.

Cogitou-se também a proibição irrestrita do uso de cartões de débito para transferir dinheiro para as casas de apostas. O Banco Central afirmou que a medida seria viável, mas teria efeito limitado, já que o dinheiro do Bolsa Família continuaria disponível em modalidades como PIX e transferências.

“O Decem [Departamento de Competição e de Estrutura do Mercado Financeiro] entende relevante indicar que a medida pode ter eficácia limitada, uma vez que as apostas poderiam continuar sendo realizadas por outros meios de pagamento, como cartões pré-pagos, PIX, TED e transferências intrabancárias”, disse a instituição.

Fonte: GloboNews e g1

Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/2024/12/13/governo-nao-tem-condicoes-tecnicas-de-impedir-uso-do-bolsa-familia-em-bets-diz-agu-ao-stf.ghtml. Acesso em: 13 dez. 2024.

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