CIÊNCIA e COMUNIDADES TERAPÊUTICAS

A eficácia das comunidades terapêutica no acolhimento de dependentes do álcool e outras drogas

O United Nations Office on Drugs and Crime and World Health Organization – UNODC reconhece a carência de estudos, pesquisas e avaliações de programas e ações na área da dependência química (UNODC, 2018)[1].

No entanto, a eficácia dos serviços de acolhimento de dependentes do álcool e outras drogas em comunidades terapêuticas tem comprovada eficácia científica, assim como, o dos grupos de apoio e mútua ajuda, que tem íntima relação na resolutividade do programa terapêutico de dependentes de álcool e outras drogas.

KURLANDER (2019)[2] listou diversos estudos comparativos da eficácia do acolhimento em comunidades terapêuticas e outros serviços de atenção e cuidados a dependentes do álcool e outras drogas:

 • Metanálise da Cochrane (SMITH; GATES; FOXCROFT, 2006):

  • 86,0% maior chance de melhor desfecho que as residências terapêuticas, em relação à abstinência 12 meses pós-tratamento;
  • 32,0% maior chance em relação a estar empregado pós-tratamento.

• Magor-Blatch et al. (2014), na revisão sistemática de 11 estudos de eficácia de CTs (caso controle: CT x não tratamento), encontraram evidências de melhores resultados para o tratamento em CT em 4 áreas pós-tratamento:

  • Abstinência;
  • Crimes;
  • Saúde mental;
  • Inserção social.

KURLANDER (2019, p. 54) na sua tese sobre “Fatores associados à recidiva e abandono do tratamento de dependentes químicos: um estudo longitudinal em duas comunidades terapêuticas”, constatou que acolhidos em comunidades terapêuticas tem 2,5 vezes mais chance de maior qualidade de vida 12 meses pós-saída para quem teve alta terapêutica.

Um fator importante na efetividade do programa terapêutico é a participação do acolhido e sua família em grupos de apoio e mútua ajuda:

  • Dados coletados por SANTOS (2008)[3], em trabalho de conclusão de curso, de acolhimento em comunidade terapêutica com público-alvo de pessoas portadores do HIV, dos anos 2002 a 2007, com 620 acolhidos, pode-se concluir que a participação de familiares em grupo de apoio resultou em 63,3% de êxito no término do programa terapêutico contra apenas 10,6% de conclusão por acolhidos cujos familiares não participaram das atividades dos grupos de apoio.
  • Levantamento realizado em uma das entidades filiadas à Cruz Azul no Brasil, o Centro de Recuperação Nova Esperança (CERENE), com dados de 269 acolhidos adolescentes, revelou que a participação de familiares em grupos de apoio ou terapia familiar resultou em 1,7 melhor resultado na conclusão do programa terapêutico (CERENE, 2020)[4].
  • Periodicamente cinco associações de grupos de apoio, mútua ajuda e abstinência da Alemanha Blaues Kreuz in Deutschland e.V., Blaues Kreuz in der Evangelischen Kirche – Bundesverband e.V., Freundeskreise für Suchtkrankenhilfe – Bundesverband e.V., Guttempler in Deutschland e.V. und Kreuzbund e.V.) tem feito pesquisas e estudos sobre a eficácia na manutenção da abstinência de dependentes de SPA e outros dados relevantes dos grupos de apoio e mútua ajuda. Essas associações são membros da Deutschen Hauptstelle für Suchtfragen e.V. (Escritório Central Alemão para Problemas de Dependência e.V).

A pesquisa de 2017[5] apontou:

  • 1/5 dos dependentes tornou-se abstinente, sem necessidade de internação ou acolhimento;
    • 87% dos participantes de grupos de apoio mantiveram a abstinência. Apenas 13% destes tiveram recaída e destes ¾ voltaram a ter abstinência estável.
  • Ingrid Arenz-Greiving (2000), no livro intitulado de “Rückfall Zurückfallen oder weitergehen?” (Recaída – Recair ou ir adiante), verificou que 71% dos frequentadores de grupos de apoio e mútua ajuda mantinham-se abstinentes após 4 anos do tratamento, enquanto dos que não frequentavam esse índice caía para 46%.

O Conselho Federal de Medicina (CFM), seu Parecer nº 9/2015[6] expressa que as comunidades terapêuticas têm “perfil reabilitador, reeducador e voltado para a reinserção sociofamiliar-ocupacional”, ainda que sejam extra-hospitalares e não se caracterizem como ambiente médico-hospitalar.

Os estudos acima demonstram que os serviços de atenção e cuidados de natureza extra-hospitalar, na forma preconizada e priorizada pela Lei nº 10.216/2001 (BRASIL, 2001) têm eficácia comprovada para grande parcela dos dependentes do álcool e outras drogas.

Dados disponíveis no Curso CoPlanar – Capacitação de Gestores para a Elaboração de Planos Estaduais e Municipais sobre Drogas, da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas e Gestão de Ativos (SENAD), Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) do Governo Federal – 2022. UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA (UFSC) de HARTMANN (2021)[7] e na Nota Técnica nº 09/2022 – CRUZ AZUL NO BRASIL, DE 07 DE SETEMBRO DE 2022.[8]

Rolf Hartmann

Presidente da Cruz Azul no Brasil


[1] UNODC – United Nations Office on Drugs and Crime and World Health Organization. Normas Internacionais Sobre a Prevenção do uso de Drogas. 2018 – UNODC. Disponível em: https://www.unodc.org/documents/prevention/standards_180412.pdf. Acesso em 14 maio 2022. Páginas 53-55.

[2] Kurlander (KURLANDER, Pablo Andrés, 2019) (KURLANDER, FATORES ASSOCIADOS À RECIDIVA E AO ABANDONO DO TRATAMENTO DE DEPENDENTES QUÍMICOS: um estudo longitudinal de eficácia em duas Comunidades Terapêuticas, 2019)

[3] SANTOS, C. S. Princípio da dignidade humana, os portadores de dependência química e suas famílias. Monografia apresentado à Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). Itajaí, SC, 28 de abril de 2008.  Disponível em: http://siaibib01.univali.br/pdf/cecilia%20serapiao%20dos%20santos.pdf Acesso em: 30 abr. 2022.

[4] CERENE / CRUZ AZUL NO BRASIL. Centro de Recuperação Nova Esperança/Cruz Azul no Brasil.

Levantamento sobre acolhimento de adolescentes acolhidos nas comunidades terapêuticas do Centro de Recuperação Nova Esperança – CERENE. Dados de acolhidos registrados em sistema interno próprio. Blumenau, SC, 2020. [não publicado].

[5] jj.         Blaues Kreuz in Deutschland e. V.; Blaues Kreuz in der Evangelischen Kirche – Bundesverband e. V.; Freundeskreise für Suchtkrankenhilfe – Bundesverband e. V.; Guttempler in Deutschland e.V.; Kreuzbund e. V. – Selbsthilfe- und Helfergemeinschaft für Sucht-kranke und Angehörige. Statistik 2017 der fünf Sucht-Selbsthilfe- und Abstinenzverbände. Alemanha. 2017. Disponível em https://www.dhs.de/fileadmin/user_upload/pdf/suchthilfe/selbsthilfe/Erhebung_der_5_SSHV_2017. Pdf. Acesso em 03 set. 2022.

[6] CFM. Conselho Federal de Medicina. Parecer CFM no 9/2015, de 26 de fevereiro de 2015. Assunto: 1. Práticas médicas em Comunidades Terapêuticas. 2. Internação de dependentes químicos em Comunidades Terapêuticas sem médicos. 3. Dúvida quanto à possibilidade de qualquer médico solicitar internação de um dependente químico. CFM, 2015, online. Página 26. Disponível em: https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/pareceres/BR/2015/9. Acesso em: 30 abr. 2022.

[7] HARTMANN, R. Políticas Públicas de Redução da Demanda de Drogas. Curso CoPlanar – Capacitação de Gestores para a Elaboração de Planos Estaduais e Municipais sobre Drogas, da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas e Gestão de Ativos (SENAD), Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) do Governo Federal – 2022. UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA (UFSC).

[8] HARTMANN, et all. NOTA TÉCNICA Nº 09/2022 – CRUZ AZUL NO BRASIL, DE 07 DE SETEMBRO DE 2022 sobre o PARECER DO CONSELHO NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL (CNAS): ORIENTAÇÕES ACERCA DE INSCRIÇÃO DE COMUNIDADES TERAPÊUTICAS, DE 21 DE JULHO DE 2022, DA 308º REUNIÃO ORDINÁRIA. BRASIL (Blumenau, SC) 2022. Disponível em https://www.cruzazul.org.br/nota-tecnica-no-09-2022-da-cruz-azul-no-brasil-assunto-parecer-do-conselho-nacional-de-assistencia-social-cnas-orientacoes-acerca-de-inscricao-de-comunidades-terapeuticas-de-21-de-julho-de-2022/. Acesso em jan 2023.

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